resgate



e no ponto mais fixo de mim
ele circulava felino
sem me deixar
a mais inútil alternativa
para fugir
e então dançávamos
no solo de uma música
telúrica
e nos entrelaçávamos
alucinados
até a memória fugaz
do momento
em que abri os olhos
e esqueci a poesia lá
onde ele permanece
sonhado



simples assim



eu queria uma palavra
apenas uma


e meus olhos te mostrariam
dois sóis


[um em cada pupila]


por trás do inevitável arco-íris
eu te daria um sorriso


só isso
e já me clareava o dia





* Publicado no Balaio Porreta 1986 nº 2529

internos



há um desejo horrível em mim;
tenso bruto cru. que não cala.
odeio o barulho que ele faz
triturando os vazios.

há um vácuo feroz em mim;
denso escuro torto. que não fala.
odeio o silêncio que ele faz
quando me retalha.




Escrito com Diego Pale

miragem



não sei se sou voo
ou vertigem


asa estrangeira sobre teus versos
avisto o mar imanente
e mergulho


esbarro no último ponto
de tuas reticências
e nem sei se te encontro



átimo



e haverá um hiato
na minha existência
onde me terás
exausta
e suspensa
na plenitude breve
do êxtase



afônica



escrevo no ato
solidário à garganta


escrevo sobre ocasos
inflamados e pungentes
em desacato
ao grito que não veio


escrevo ao acaso
até o fim da linha
até o ponto
em que me encontro
febril