imanente



desprendido de chãos e de céus
esse louco que nos habita
encara todos os precipícios
e remove-nos as pontes
que levariam a anfitriãs certezas


e em saltos incalculados
nesses vãos entre nadas e nós
hospeda em nossos abismos
a nudez com que nos entrega
a toda sorte de perigos



vertigem



a ausência da rosa na boca
o silêncio alarmado
de quem sabe espinhos
e idas e beijos
e quases
e esses vermelhos
que te inflamam
toda
de abismos
e quedas




* Publicado no Balaio Porreta 1986 nº 2729

falando de lírios e de mim



eu queria inventar outras palavras
outras flores outras selvas outras árvores
e subir nos seus pés
e preparar ninhos e leitos
no mistério impenetrável e verde
das folhas impregnadas de sol...


queria inventar outras espécies
de algas e de corais e outros mares
cheios de perigos e coloridos abissais
e coisas de afundar mesmo a cabeça e nadar
e beijar a pele com gosto de sal e de líquen
nos nossos corpos úmidos graves e líricos...


queria chegar até você com sonhos
e com histórias
com cantigas de roda
bobagens e cílios
cheia de manha e de manhãs
e papoulas e desalinhos
cheia de mim e de lírios...


queria chegar até você
reinventada em outros trens.



bumerangue




meus versos retornam
sem cerimônias
ou pássaros


nunca houve urgência
no amor


mas a certeza
de que um dia
ele pousará
em minhas mãos